meu bem



você é meu caminho
meu vinho
meu vício desde o início
estava você
meu balsamo benigno
meu signo
meu guru porto seguro
onde eu voltei
meu mar e minha mãe
meu medo e meu champanhe
visão do espaço sideral
onde o que eu sou se afoga
meu fumo e minha ioga
você é minha droga
paixão e carnaval
meu zen meu bem meu mal
meu zen meu bem meu mal
meu zen meu bem meu mal
meu zen meu bem

gal costa

bem querer



quando o meu bem-querer me vir
estou certa que há de vir atrás
há de me seguir por todos
todos, todos, todos o umbrais

e quando o seu bem-querer mentir
que não vai haver adeus jamais
há de responder com juras
juras, juras, juras imorais

e quando o meu bem-querer sentir
que o amor é coisa tão fugaz
há de me abraçar com a garra
a garra, a garra, a garra dos mortais

e quando o seu bem-querer pedir
pra você ficar um pouco mais
há que me afagar com a calma
a calma, a calma, a calma dos casais

e quando o meu bem-querer ouvir
o meu coração bater demais
há de me rasgar com a fúria
a fúria, a fúria, a fúria dos animais

e quando o seu bem-querer dormir
tome conta que ele sonhe em paz
como alguém que lhe apagasse a luz
vedasse a porta e abrisse o gás

chico buarque

esperança



só a leve esperança, em toda a vida,
disfarça a pena de viver, mais nada;
nem é mais a existência, resumida,
que uma grande esperança malograda.

o eterno sonho da alma desterrada,
sonho que a traz ansiosa e embevecida,
é uma hora feliz, sempre adiada
e que não chega nunca em toda a vida.

essa felicidade que supomos,
árvore milagrosa que sonhamos
toda arredada de dourados pomos,

existe, sim, mas não a alcançamos
porque está sempre apenas onde a pomos
e nunca a pomos onde nós estamos.

vicente de carvalho

over the rainbow




somewhere over the rainbow
way up high,
there's a land that i heard of
once in a lullaby.

somewhere over the rainbow
skies are blue,
and the dreams that you dare to dream
really do come true.

someday i'll wish upon a star
and wake up where the clouds are far
behind me.
where troubles melt like lemon drops
away above the chimney tops
that's where you'll find me.

somewhere over the rainbow
bluebirds fly.
birds fly over the rainbow.
why then, oh why can't i?

if happy little bluebirds fly
beyond the rainbow
why, oh why can't i?

maior amor



maior amor nem mais estranho existe
que o meu, que não sossega a coisa amada
e quando a sente alegre, fica triste
e se a vê descontente, dá risada.

e que só fica em paz se lhe resiste
o amado coração, e que se agrada
mais da eterna aventura em que persiste
que de uma vida mal aventurada.

louco amor meu, que quando toca, fere
e quando fere vibra, mas prefere
ferir a fenecer - e vive a esmo

fiel à sua lei de cada instante
desassombrado, doido, delirante
numa paixão de tudo e de si mesmo.

vinicius



no te quiero sino porque te quiero
y de quererte a no quererte llego
y de esperarte cuando no te espero
pasa mi corazón del frío al fuego.

te quiero sólo porque a ti te quiero,
te odio sin fin, y odiándote te ruego,
y la medida de mi amor viajero
es no verte y amarte como un ciego.

tal vez consumirá la luz de enero,
su rayo cruel, mi corazón entero,
robándome la llave del sosiego.

en esta historia sólo yo me muero
y moriré de amor porque te quiero,
porque te quiero, amor, a sangre y fuego.

pablo neruda

amo-te tanto


amo-te tanto, meu amor... não cante
o humano coração com mais verdade...
amo-te como amigo e como amante
numa sempre diversa realidade.

amo-te afim, de um calmo amor prestante
e te amo além, presente na saudade.
amo-te, enfim, com grande liberdade
dentro da eternidade e a cada instante.

amo-te como um bicho, simplesmente
de um amor sem mistério e sem virtude
com um desejo maciço e permanente.

e de te amar assim, muito e amiúde
é que um dia em teu corpo de repente
hei de morrer de amar mais do que pude.


vinícius de moraes

te amo y no te amo


sabrás que no te amo y que te amo
puesto que de dos modos es la vida,
la palabra es un ala del silencio,
el fuego tiene una mitad de frío.


yo te amo para comenzar a amarte,
para recomenzar el infinito
y para no dejar de amarte nunca:
por eso no te amo todavía.


te amo y no te amo como si tuviera
en mis manos las llaves de la dicha
y un incierto destino desdichado.


mi amor tiene dos vidas para armarte.
por eso te amo cuando no te amo
y por eso te amo cuando te amo.


pablo neruda

o recreio


na minha alma há um balouço
que está sempre a balouçar
—balouço à beira de um poço,
bem difícil de montar...

— e um menino de bibe
sobre ele sempre a brincar...

se a corda se parte um dia
(e já vai estando esgarçada),
era uma vez a folia;
morre a criança afogada...

— cá por mim não mudo a corda
seria grande estopada...

se o indez morre, deixá-lo...
mais vale morrer de bibe
que de casaca... deixá-lo
balouçar-se enquanto vive...

— mudar a corda era fácil...
tal ideia nunca tive...

mário de sá-carneiro

...



se pena por amar-vos se merece,
quem dela livre está? ou quem isento?
que alma, que razão, que entendimento
em ver-vos se não rende e obedece?

que mor glória na vida se oferece
que ocupar-se em vós o pensamento?
toda a pena cruel, todo o tormento
em ver-vos se não sente, mas esquece.

mas se merece pena quem amando
contínuo vos está, se vos ofende,
o mundo matareis, que todo é vosso.

em mim, senhora, podeis ir começando,
que claro se conhece e bem se entende
amar-vos quanto devo e quanto posso.

camões

bocage...



quantas vezes, amor, me tens ferido?
quantas vezes, razão, me tens curado?
quão fácil de um estado a outro estado
o mortal sem querer é conduzido!

tal, que em grau venerando, alto e luzido,
como que até regia a mão do fado,
onde o sol, bem de todos, lhe é vedado,
depois com ferros vis se vê cingido:

para que o nosso orgulho as asas corte,
que variedade inclui esta medida,
este intervalo da existência à morte!

travam-se gosto, e dor; sossego e lida;
é lei da natureza, é lei da sorte,
que seja o mal e o bem matiz da vida.

...



nossos corpos agora estão feridos
por naufrágios ao largo dos açores
e por luas que sangram nos sentidos
quando um amor se vai e morrem flores.

desfazem-se e renascem corpo a corpo
e há sempre um por fazer no já desfeito
há um corpo que salva a nado o outro
quando às vezes o mar entra no leito.

nossos corpos cansados não se cansam
e não perdem mesmo se perdidos
e ainda que tão perto não se alcançam.

por isso por si mesmo feridos
e em suas próprias feridas é que dançam
os deuses que se escondem nos sentidos.

manuel alegre

funeral blues




stop all the clocks, cut off the telephone,
prevent the dog from barking with a juicy bone,
silence the pianos and with muffled drum
bring out the coffin, let the mourners come.
let aeroplanes circle moaning overhead
scribbling on the sky the message he is dead,
put crêpe bows round the white necks of the public doves,
let the traffic policemen wear black cotton gloves.

he was my north, my south, my east and west,
my working week and my sunday rest,
my noon, my midnight, my talk, my song;
i thought that love would last for ever: i was wrong.

the stars are not wanted now: put out every one;
pack up the moon and dismantle the sun;
pour away the ocean and sweep up the wood.
for nothing now can ever come to any good.


w. h. auden

entre o sono e sonho



entre o sono e sonho,
entre mim e o que em mim
é o quem eu me suponho
corre um rio sem fim.
passou por outras margens,
diversas mais além,
naquelas várias viagens
que todo o rio tem.

chegou onde hoje habito
a casa que hoje sou.
passa, se eu me medito;
se desperto, passou.

e quem me sinto e morre
no que me liga a mim
dorme onde o rio corre -
esse rio sem fim.

fernando pessoa

um voo



antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto,
que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
a ave passa e esquece, e assim deve ser.
o animal, onde já não está e por isso de nada serve,
mostra que já esteve, o que não serve para nada
a recordação é uma traição à natureza,
porque a natureza de ontem não é natureza.
o que foi não é nada, e lembrar é não ver.

passa, ave, passa, e ensina-me a passar!

fernando pessoa

uma história (podia ser minha...)



conta a lenda que dormia
uma princesa encantada
a quem só despertaria
um Infante, que viria
de além do muro da estrada.

ele tinha que, tentado,
vencer o mal e o bem,
antes que, já libertado,
deixasse o caminho errado
por o que à princesa vem.

a princesa adormecida,
se espera, dormindo espera.
sonha em morte a sua vida,
e orna-lhe a fronte esquecida,
verde, uma grinalda de hera.

longe o infante, esforçado,
sem saber que intuito tem,
rompe o caminho fadado.
ele dela é ignorado.
ela para ele é ninguém.

mas cada um cumpre o destino -
ela dormindo encantada,
ele buscando-a sem tino
pelo processo divino
que faz existir a estrada.

e, se bem que seja obscuro
tudo pela estrada fora,
e falso, ele vem seguro,
e, vencendo estrada e muro,
chega onde em sono ela mora.

e, inda tonto do que houvera,
à cabeça, em maresia,
ergue a mão, e encontra hera,
e vê que ele mesmo era
a princesa que dormia.

fernando pessoa - eros e psique

camões



quem vê, senhora, claro e manifesto
o lindo ser de vossos olhos belos,
se não perder de vista só em vê-los,
já não paga o que deve a vosso gesto.

este me parecia preço honesto;
mas eu, por de vantagem merecê-los,
dei mais a vida e alma por querê-los,
donde já não me fica mais de resto.

assim que a vida e alma e esperança,
e tudo quanto tenho, tudo é vosso,
e o proveito disso eu só o levo.

porque é tamanha bem-aventurança
o dar-vos quanto tenho e quanto posso,
que, quanto mais vos pago, mais vos devo.

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